domingo, junho 19, 2005

Saquarema (ou um lugar de mim que ainda não se perdeu)

Eu via a bicicleta, mas não via mais a rua. Era de barro, eu me lembro, nada daquele cimento que só machuca quando a gente cai e que deixa tudo tão cinza que dá até vontade de pegar o lápis de cor e pintar por cima para ver se o mundo volta a ter vida. Mas só tinha a bicicleta, e eu sabia que precisava subir e andar.

Havia o sol também, eu sentia, mas parecia que o calor que vinha de fora não tirava o frio que batia aqui dentro, e que eu mesmo grande agora não ia conseguir alcançá-lo como um dia achei que ia ser capaz. É longe, eu sei, mas sempre sonhei em ir até lá. Que nem quando vi a lua pela primeira vez. Não, não era a primeira vez, com certeza não, eu já tinha visto antes, mas não apaixonado, e aí é muito diferente. É incrível como tudo muda, e como você cresce, e como se torna pequeno para tanta vontade. O fato é que eu também queria ir até lá, e nunca consegui. Nem a pé, nem de bicicleta - por mais que tentasse, sempre estava longe.

Eu via o balanço, a árvore, a bola jogada no quintal e o verde-amarelado da grama sob o sol do fim da tarde, mas não tinha mais ninguém ali. Se fechasse os olhos, talvez ainda fosse capaz de me ver correndo com meus primos pra lá e pra cá, despreocupados, crianças que nunca deveríamos ter deixado de ser. Ali éramos vivos, éramos amigos, éramos felizes. E de repente a gente cresceu, e o mundo diminuiu, e os sonhos escaparam dos olhos brilhantes para virarem chagas nas mãos duras de realidade. E o que sobrou para hoje, além de pequenos pontos que vivem a cintilar nas nossas memórias?

Havia o vento também, os cabelos sentiam, mas parecia que ele estava a favor de nós, soprando nossos caminhos e dizendo que era preciso seguir em frente, levando a vida a seu sabor. Só que a gente acaba sempre indo contra, e tudo fica tão difícil que uma hora as pernas sentem o cansaço e só nos resta sentar e esperar. Não, não é pra ser assim, a gente não pode ver o filme da vida sentado na primeira fila, precisa ser protagonista, diretor, roteirista... dono. E esquecer essa história de destino, essa coisa de que todos um dia viramos adultos sérios e comprometidos com o bem da humanidade. Um absurdo, se nem o nosso bem a gente se preocupava em fazer, apenas vivia, e isso bastava.

Eu via possibilidades. Eu via estrelas. Eu via vocês. E éramos de novo os mesmos inocentes.