quinta-feira, outubro 04, 2001

"Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada
Quando se parte rumo ao nada."

Paulinho Moska, "A Seta e O Alvo"
Caros leitores,
Sei que ando em falta com vocês, pois raramente tenho publicado algo inédito aqui. Não é por falta de vontade, acreditem. Já iniciei pelo menos 6 contos desde que migrei para esse novo endereço, mas não consigo finalizar nenhum. Estou passando por uma fase estranha, uma espécie de "ócio criativo" que nem eu mesmo sei o porquê da ocorrência. Na verdade, alguns motivos até vieram à mente, tais como a ausência de um contador de visitas no blog e o período de provas da faculdade, entretanto, nenhum deles me pareceu uma justificativa real. Por conta disso, venho comunicar que o "Rumo Ao Nada" estará funcionando precariamente a partir de hoje, sem garantia de publicações diárias. Acho que é a atitude mais justa que posso tomar para não frustrar os 5 ou 6 leitores que vêm me acompanhando nessa difícil empreitada desde o início. E, infelizmente, sou obrigado a admitir que, se as coisas não se modificarem, é provável até que eu desative esse blog em definitivo. Vamos ver se com o tempo tudo melhora. Até lá, agradeço a compreensão de todos vocês e torço para que dias melhores venham e me ajudem a manter esse espaço aqui.
Um grande abraço a todos,
Marcelo Caldas

segunda-feira, outubro 01, 2001

Resoluções Para o Novo Ano

Faltavam ainda 3 dias para a chegada do reveillon. No entanto, para Márcia a contagem regressiva havia começado há quase uma semana, mais precisamente na véspera de Natal.

Foi nessa data que, não sendo mais do que 10 horas da manhã, ela resolveu dar uma volta "para arejar os pensamentos". A rotina de sua casa havia se tornado desgastante desde que seus pais decidiram se separar, e isso não tinha um mês de ocorrido. De qualquer forma, já não aguentava mais conviver com aquilo, por isso a caminhada tão cedo parecia uma ótima alternativa.

O clima frio e o céu nublado davam o tom de melancolia ideal para um passeio como aquele. Andava a passos lentos, porém firmes, numa dualidade interessante. A cabeça parecia ter o peso de todo o universo, dando-lhe um grau de fadiga maior do que o normal. O restante do corpo, contudo, parecia se sublimar.

Poucos metros ela havia caminhado quando avistou uma aglomeração próxima ao sinal. Pensando ser um acidente com alguém conhecido, apressou-se em ir verificar o que lá acontecia. Ao chegar mais perto, causou-lhe uma enorme surpresa avistar um jovem de mais ou menos 22 anos fazendo alguns truques com malabares. Aquilo prendeu sua atenção de tal forma que passou a reparar na delicadeza com que o rapaz executava os movimentos.

Daniel, por sua vez, fitava os olhos azuis de Márcia maravilhado. Jamais tivera visão de tão singular beleza, e sentia-se hipnotizado pela moça. A atenção foi desviada de tal forma que ele deixou os bastões caírem ao chão. Os aplausos transformaram-se em um silêncio perturbador. Os parcos segundos imóvel diante daquela meia centena de gente lhe pareceram horas.

Em um gesto impensado, Márcia rompeu rompeu a barreira humana que se precipitava à sua frente e pegou os bastões. A Daniel entregou-os delicadamente, e aquele momento lhe pareceu tão íntimo que ignorou todos que os observavam e beijou com suavidade sua face. Ele apenas balbuciou um "muito obrigado" e seguiu com suas acrobacias, enquanto avistava a jovem sair do meio da roda e seguir seu caminho.

O que tinha acabado de acontecer comovera aqueles que, pasmados, viram a cena. Daniel nada ouvia, mas os lábios à sua volta pareciam lhe dizer para ir atrás daquela moça de quem sequer sabia o nome. Abruptamente, recolheu seus artefatos e colocou-se a correr, procurando-a. Márcia, porém, já havia sumido na paisagem.

Enquanto andava apressadamente para casa, lágrimas rolavam dos olhos de Márcia. Não entendia bem o porquê, mas aquilo lhe tocara de tal forma que preferiu fugir. Sentia-se despreparada para lidar com algo tão forte, tinha medo de encarar emoções até então desconhecidas.

Trancou-se no quarto logo que chegou em casa. Fechou as cortinas e deixou o corpo cair sobre a cama. Apesar da tarde mal ter se iniciado, adormeceu rapidamente.

Na manhã do dia seguinte, enquanto tomava o seu café, ela ouviu a campanhia tocar. Com todos na casa ainda dormindo, resolveu atender. Ao abrir a porta, não avistou ninguém, só um envelope sobre o tapete de "boas vindas" no qual se lia, em letras cuidadosamente desenhadas, "aos mais belos olhos que já encontrei".

Márcia leu toda a carta em poucos minutos. Em seguida, correu para o quarto, trocou de roupa e saiu à procura daquele que tinha revirado seus sentimentos. Chovia forte, mas isso não iria impedir que consertasse o erro da omissão no dia anterior.

Ao chegar à esquina, seus olhos marejaram. No mesmo lugar de antes, avistou Daniel fazendo seus malabarismos. Dessa vez, todavia, não havia ninguém à sua volta. Caminhou a passos lentos, porém firmes, na direção dele. Os olhares cruzaram-se novamente.

Daniel deixou os bastões caírem. Márcia fez menção de pegá-los, porém os atirou para o lado. Ambos respiravam forte, arfantes. Sem deixar que balbuciasse qualquer coisa, ela o beijou com enorme ternura, em uma cena digna dos grandes romances literários.

Com a chuva ainda caindo sobre os dois novos amantes, uma meia centena de pessoas cercou-os lentamente. Em meio a aplausos e gritos, saudaram a realização de tão forte amor.

O novo ano que em breve iria se iniciar prometia ser dos melhores.